Dispensa de licitação para contratação de plataforma privada de compras públicas
O artigo investiga a possibilidade jurídica de contratação de plataformas privadas de compras públicas por dispensa de licitação, analisando as hipóteses do art. 75 da Lei 14.133/2021. O estudo surge da constatação de que essas plataformas movimentaram R$ 113 bilhões (69% do PNCP) em 2024, sendo majoritariamente contratadas por dispensa sem adequado embasamento técnico. O autor examina sistematicamente as categorias de dispensa: por valor, situações excepcionais, objeto e pessoa. Conclui que a dispensa por valor é inaplicável, pois as plataformas são instrumentos estratégicos que demandam avaliação técnica detalhada. As situações excepcionais também não se aplicam, pois as plataformas são soluções contínuas, não emergenciais. A análise das dispensas por razão da pessoa revela que a maioria dos incisos não se aplica. Conclui pela impossibilidade, como regra geral, de utilização do instituto da dispensa de licitação para essas contratações.
MARKETPLACEDISPENSA DE LICITAÇÃO
Jandeson da Costa Barbosa
9/15/202550 min read
Dispensa de licitação para contratação de plataforma privada de compras públicas
Jandeson da Costa Barbosa
Pioneiro na utilização de IA em Licitações e Contratos. Mestre em Direito e Políticas Públicas. Especialista em Direito Público. Membro da Consultoria Jurídica do Tribunal de Contas da União (TCU). Professor de Licitações e Contratos. Advogado.
Resumo
O artigo investiga a possibilidade jurídica de contratação de plataformas privadas de compras públicas por dispensa de licitação, analisando as hipóteses do art. 75 da Lei 14.133/2021. O estudo surge da constatação de que essas plataformas movimentaram R$ 113 bilhões (69% do PNCP) em 2024, sendo majoritariamente contratadas por dispensa sem adequado embasamento técnico. O autor examina sistematicamente as categorias de dispensa: por valor, situações excepcionais, objeto e pessoa. Conclui que a dispensa por valor é inaplicável, pois as plataformas são instrumentos estratégicos que demandam avaliação técnica detalhada. As situações excepcionais também não se aplicam, pois as plataformas são soluções contínuas, não emergenciais. A análise das dispensas por razão da pessoa revela que a maioria dos incisos não se aplica. Conclui pela impossibilidade, como regra geral, de utilização do instituto da dispensa de licitação para essas contratações.
Abstract
The article investigates the legal possibility of contracting private public procurement platforms through bidding exemption, analyzing the hypotheses of article 75 of Law 14.133/2021. The study emerges from the finding that these platforms moved R$ 113 billion (69% of PNCP) in 2024, being mostly contracted through exemption without adequate technical foundation. The author systematically examines the exemption categories: by value, exceptional situations, object, and person. He concludes that value-based exemption is inapplicable, as platforms are strategic instruments that require detailed technical evaluation. Exceptional situations also do not apply, since platforms are continuous solutions, not emergency ones. The analysis of exemptions by reason of person reveals that most items do not apply. He concludes that it is impossible, as a general rule, to use the bidding exemption institute for these contracts.
Resumen
El artículo investiga la posibilidad jurídica de contratación de plataformas privadas de compras públicas por dispensa de licitación, analizando las hipótesis del art. 75 de la Ley 14.133/2021. El estudio surge de la constatación de que estas plataformas movilizaron R$ 113 mil millones (69% del PNCP) en 2024, siendo mayoritariamente contratadas por dispensa sin adecuado fundamento técnico. El autor examina sistemáticamente las categorías de dispensa: por valor, situaciones excepcionales, objeto y persona. Concluye que la dispensa por valor es inaplicable, pues las plataformas son instrumentos estratégicos que demandan evaluación técnica detallada. Las situaciones excepcionales tampoco se aplican, pues las plataformas son soluciones continuas, no emergenciales. El análisis de las dispensas por razón de la persona revela que la mayoría de los incisos no se aplican. Concluye por la imposibilidad, como regla general, de utilización del instituto de la dispensa de licitación para estas contrataciones.
1 – Introdução[1]
O presente ensaio tem como recorte metodológico investigar a possibilidade jurídica de contratação de plataformas privadas de compras públicas – seja por licitação ou contratação direta, ou mesmo de e-marketplace – por dispensa de licitação com fundamento nas hipóteses enumeradas no art. 75 da Lei 14.133/2021.
Em outro artigo, trabalhamos especificamente a “Contratação de plataforma privada de compras públicas de órgão ou ente estatal por dispensa de licitação”[2], com esteio no art. 75, IX, da Lei 14.133/2021. O tema em análise é complexo e demanda aprofundamento teórico e empírico decorrente da responsabilidade intelectual que proíbe uma abordagem meramente superficial desse assunto que possui nuances diversificadas.
Assim, o presente trabalho tem como escopo investigar as demais hipóteses de dispensa de licitação previstas no referido art. 75, transcrevendo, ainda, as conclusões a que se chegou o ensaio em relação ao inciso IX. Portanto, não serão objeto deste estudo a possibilidade de contratação dessas plataformas por licitação, inexigibilidade de licitação ou instrumentos de adesão e parceria.
O avanço das plataformas privadas de compras públicas no ecossistema de compras públicas é um fato quantitativamente relevante e juridicamente sensível. Em levantamento do TCU[3], a extração do PNCP referente a janeiro-maio/2024 indicou que o uso dessas plataformas “movimentou cerca de R$ 113 bilhões e envolveu 160 mil compras/itens”, o que corresponde a “aproximadamente 69%” do volume de valores contidos no PNCP, com 120 plataformas reportando dados (universo de 217 sistemas integrados).
Do ponto de vista normativo, a Lei 14.133/2021, através do seu art. 175, § 1º, admite o emprego de sistemas eletrônicos privados, desde que integrados ao PNCP e na forma de regulamento: “as contratações poderão ser realizadas por meio de sistema eletrônico fornecido por pessoa jurídica de direito privado, na forma de regulamento”, preservada a integração com o PNCP. A mesma lei exige planejamento robusto: o Estudo Técnico Preliminar deve “evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução”, permitindo a avaliação de viabilidade técnica e econômica (art. 18, § 1º).
O diagnóstico institucional, contudo, revela uma prática ainda difusa e pouco padronizada. No Acórdão 1507/2024-Plenário, o TCU consignou que, quanto às formas de contratação dos serviços prestados por plataformas privadas, “de forma majoritária são realizadas dispensas e inexigibilidade”, havendo menções a “termo de cooperação técnica” e “termo de adesão”, e que “em nenhum caso foi mencionada a realização de contratações públicas ou concorrência”. A Corte de Contas também registrou preocupação com o baixo lastro técnico dessas escolhas, destacando que “mais de 70% dos respondentes” de questionário aplicado no âmbito do TC 027.907/2022-8 informaram não ter elaborado ETP prévio para fundamentar a contratação da plataforma utilizada.
Em termos de diretriz, o próprio TCU assinalou que, “de regra, a escolha deve ser objeto de procedimento licitatório específico, pois várias são as plataformas presentes no mercado” (grifou-se). Essa orientação converge com a centralidade do PNCP e com o desenho legal de planejamento e governança das contratações públicas, afastando a ideia de adesões informais que desconsiderem a análise comparativa de soluções e a justificativa técnica-econômica.
Diante desse cenário empírico e normativo, partimos das seguintes premissas básicas verdadeiras: a Administração Pública pode contratar plataformas privadas de operacionalização digital das suas contratações públicas, não se limitando ao pregão; e, essa contratação é regida pela Lei 14.133/2021.
Assim, existe um problema científico de matiz jurídica a ser investigado com necessária profundidade: quais as formas juridicamente possíveis de contratar essas plataformas? Conforme o levantamento do TCU mostrou, elas são, geralmente, contratadas pela singela celebração de “termo de adesão”, bem como por dispensa e inexigibilidade de licitação. A realização de licitação, por ser norma geral das contratações públicas prevista no art. 37, inciso XXI da Constituição da República, é uma resposta possível, mas pode não ser a única.
É nessa vereda que, conforme mencionado, o presente artigo tem como objetivo investigar a possibilidade jurídica de contratação de plataformas privadas de compras públicas com fundamento nas hipóteses de dispensa de licitação enumeradas no art. 75 da Lei 14.133/2021.
2 – Por que existe a licitação dispensável[4]
Dentro da contratação direta há, como sabemos, duas hipóteses: dispensa e inexigibilidade de licitação. Diferentemente do que ocorre com a inexigibilidade de licitação, em que a licitação não ocorrerá por inviabilidade de competição, nos casos de dispensa a competição é plenamente viável.[5] O certame não ocorre “simplesmente” porque assim quis o legislador. O Constituinte outorgou ao legislador nacional a competência para definir, com base no jogo democrático-representativo, em quais hipóteses a licitação poderá não ser realizada.
É simples assim: a licitação deixa de ocorrer por causa do querer do legislador. É claro que se trata de um querer sob o crivo do interesse público. Assim, o certame não deixa de ser realizado por impossibilidade, inviabilidade ou algo do gênero. Não, a contratação é dispensável porque o legislador nacional guardou para si a competência para escolher, segundo critérios e motivos que caberão a ele decidir, em quais situações ele possibilitará ao administrador público deixar de realizar licitação, mesmo sendo esta plenamente possível. Não é outro o fundamento da dispensa de licitação.
É possível – e desejável – que o jurista e o operador do direito administrativo busquem a intenção do legislador na interpretação da hipótese de dispensa, é o que chamamos de interpretação teleológica.[6] Todavia, não cabe ao intérprete indagar acerca da qualidade da decisão do legislador ao escolher as hipóteses de dispensa (salvo em caso de controle de constitucionalidade), tampouco estabelecer analogias inadequadas para ampliar o rol de hipóteses.
Observe-se, por exemplo, que é hipótese de dispensa de licitação a “contratação de entidades privadas sem fins lucrativos, para a implementação do Programa Cozinha Solidária, que tem como finalidade fornecer alimentação gratuita preferencialmente à população em situação de vulnerabilidade e risco social” (art. 75, inciso XVIII, da Lei 14.133/2021). O leitor poderia arguir que a hipótese de dispensa, no caso, é o escopo social da contratação. Mas essa não é a resposta juridicamente adequada.
Possivelmente, o legislador decidiu inserir tal hipótese no rol de dispensa de licitação por essa motivação política. Contudo, essa motivação não pode ser utilizada para ampliar o rol para situações semelhantes. Isso porque a finalidade do instituto da dispensa de licitação é justamente dar ao legislador nacional esse poder de decidir objetivamente as situações em que a licitação será dispensada segundo o seu juízo subjetivo e privativo.
A prova disso é que não é possível, com base no citado art. 75, inciso XVIII, contratar, por exemplo, entidades privadas sem fins lucrativos para a implementação do Programa Cobertor Solidário, que tem como finalidade fornecer cobertores gratuitos preferencialmente à população em situação de vulnerabilidade e risco social. E, repise-se, o motivo é simples: não é possível porque tal hipótese de dispensa não está prevista em lei nacional. Não cabe ao administrador público utilizar de analogia ou outro meio interpretativo para ampliar o alcance das hipóteses de dispensa, pois esse um juízo de “conveniência e oportunidade” politicamente mais elevado, que é privativo do legislador nacional.
Não é que não seja importante o intérprete averiguar o contexto fático e axiológico para a contratação direta, é que não é necessária a análise de nenhum outro elemento para verificar a permissividade[7] jurídica da dispensa de licitação. Para ela ser permitida basta a previsão legal, eis que o legislador tomou para si, nessas hipóteses, a análise subjetiva autorizadora da excepcionalização à regra da licitação.
Note-se que, não à toa, o rol de hipóteses de dispensa de licitação é taxativo: todas as hipóteses estão previstas em lei nacional. Entretanto, observe-se que a hipótese de dispensa de licitação não necessita estar enumerada no art. 75 da Lei 14.133/2021. Não é necessário nem mesmo que esteja prevista no corpo da Lei 14.133/2021. A previsão pode ocorrer em qualquer lei ordinária nacional.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento pacífico no sentido não ser possível que estados e municípios criem hipóteses de dispensa de licitação por lei, pois esta é competência reservada para a norma geral, atribuída ao legislador nacional pelo art. 22, inciso XXVII, da Constituição da República.[8]
Impende repisar que a hipótese de dispensa de licitação não necessita estar especificamente na Lei-Geral de Licitações. Sendo a norma editada pelo Congresso Nacional, segundo os ritos legislativos adequados (lei ordinária ou medida provisória), esta poderá criar hipótese de dispensa de licitação. Citamos alguns exemplos de hipóteses de dispensa de licitação que estão previstos em outros diplomas normativos que não a Lei 14.133/2021: Lei nº 11.947/2009 – PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar); Lei nº 9.637/1998 – Organizações Sociais (OSs); Lei nº 10.973/2004 – Marco Legal da Inovação; Lei nº 9.433/1997 – Política Nacional de Recursos Hídricos.
Portanto, podemos definir a dispensa de licitação como a contratação pública sem realização de licitação, nas hipóteses expressamente previstas em lei nacional, que encontra a razão de ser na análise politicamente qualificada e exclusiva do legislador nacional sobre as situações em que este decide, com base em critérios políticos, permitir que a Administração Pública excepcione a regra geral de realização de licitação, estando a dispensa adstrita aos limites expressos e implícitos da previsão legal.
3 – As diversas naturezas das hipóteses de dispensa de licitação
Conforme exposto, é juridicamente possível realizar contratação por dispensa de licitação quando houver previsão expressa em lei nacional – editada, portanto, pelo Congresso Nacional, admissível a utilização de medida provisória.
Nessa toada, é imprescindível a análise da legislação nacional para que seja verificado se há alguma hipótese de dispensa que albergue a contratação de plataformas de contratações públicas. Para fins deste artigo, vamos analisar tão somente as hipóteses do rol do art. 75 da Lei 14.133/2021, sem descuidar de reconhecer que existem algumas outras hipóteses de dispensa de licitação espalhadas na legislação extravagante (leis nacionais outras que não a Lei 14.133/2021).
Para agrupar a nossa análise, vamos nos servir da percuciente e salutar lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro acerca do tema: “As várias hipóteses podem se enquadrar nas modalidades de dispensa em razão do pequeno valor, dispensa em razão de situações excepcionais, dispensa em razão do objeto e dispensa em razão da pessoa”[9].
Observe-se que a grande doutrinadora do direito administrativo brasileiro, afora as óbvias qualidades intelectuais de sua obra, emprega no ensino do tema critérios bastante práticos e operacionais para análise quanto a presença[10], no caso concreto, de hipótese de dispensa de licitação dentre aquelas listadas no art. 75 da Lei 14.133/2021: o valor da contratação; existência de situação excepcional; o objeto em si ou a pessoa que se quer contratar.
A par da praticidade acerca das naturezas diversas das hipóteses de dispensa de licitação, essa classificação tem a virtude de agrupar hipóteses que decorrem de valores constitucionais (fundamento axiológicos) semelhantes. Isso porque, apesar de a dispensa de licitação decorrer de um “querer” do legislador, essa vontade deve ser fundada no interesse público, não em um caráter meramente potestativo, arbitrário ou com intuitos exclusivamente particulares. É nesse sentido que leciona Marçal Justen Filho:
"Não se admite a criação de um caso de dispensa sem lei assim dispondo. É evidente que isso não implica reconhecer a possibilidade de uma lei instituir arbitrariamente os casos de dispen-sa. A lei é indispensável, mas a validade da previsão legislativa depende da presença de elementos fáticos e jurídicos que legitimem a decisão de dispensar a licitação. Nesse ponto, é essencial destacar a relevância do princípio da proporcionalidade. A hipótese de dispensa da licitação somente será válida quando existir um juízo de proporcionalidade que dê suporte à disciplina legal adotada". (Grifo nosso)[11]
Passaremos, a seguir, à análise das hipóteses de dispensa de licitação listadas no art. 75 da Lei 14.133/2021, bem como sua aderência ou não à contratação de plataforma privada de compras públicas, agrupando a análise de acordo com a classificação apresentada por Di Pietro.
4 – Dispensa de licitação em razão do valor
O primeiro caso para se analisar é se é possível contratar os portais de contratações públicas por uma dispensa em razão do valor. Os incisos do art. 75 da Lei 14.133/2021 que abrigam essas hipóteses são de fácil localização: incisos I e II. A dispensa de licitação por razão de valor é uma hipótese normativa pensada para conferir agilidade e economia às contratações que, pela sua natureza reduzida em valor e simplicidade técnica e operacional, dispensam, em tese, um processo competitivo formal.
Seu fundamento está diretamente vinculado à baixa complexidade do objeto, ao reduzido risco operacional e, essencialmente, ao baixo impacto financeiro que essas contratações representam para o orçamento público. Trata-se, em suma, de uma opção legislativa voltada à eficiência administrativa em aquisições e serviços cuja insignificância econômica não justificaria o esforço administrativo envolvido na condução de uma licitação tradicional. Implica dizer que, ainda que se vislumbre possível economia com a realização de processo licitatório, o custo administrativo para levar a cabo tal procedimento é significativamente maior do que a economia gerada pela diferença de preço do objeto adquirido.
Ainda assim, é duvidosa a afirmação de que a realização de licitação para bens e serviços no limite do valor de dispensa pudesse se traduzir na contratação por um preço menor. Ainda que se admita que “um certame exitoso gere uma economia de 30% em relação ao preço estimado”[12] – e mesmo desconsiderando os diversos problemas acerca da aferição real dessa economia, como, por exemplo, a fidedignidade do preço estimado – não é possível transportar esse raciocínio da licitação para a dispensa em razão do valor.
Isso porque a licitação envolve, na média, valores vultosos e economicamente atrativos, o que gera interesse dos fornecedores em participar do certame, além da economia de escala gerada por essas contratações maiores. Ocorre que o fornecedor tem um alto custo transacional para participar de uma licitação, que é aceito por ele ante a perspectiva de lograr êxito em contratos vultosos. É duvidoso que o fornecedor aceite esse alto custo transacional para ter a possibilidade de obter contratações de valores ínfimos.
Desse modo, o baixo valor dessas dispensas é desincentivo a diversos fornecedores para participar de um certame. Reduzido o universo de fornecedores, é reduzida a competitividade, o que também reduz, em tese, a economia no preço. Além disso, esse alto custo transacional seria inserido no preço ofertado, representando um aumento desproporcional em relação a um preço ofertado em uma contratação de maior vulto. Diante disso, é forçoso reconhecer que a realização de licitação para contratações de baixo valor não consegue garantir sequer que o preço ofertado seja baixo. Esse é um dos motivos da nossa crítica acerca da trágica sistemática da Dispensa Eletrônica, o tal mini-pregão[13].
Afora o desincentivo econômico da participação de fornecedores em certames de baixo valor, o que causa preços maiores e diversas contratações desertas e fracassadas, esse cenário se traduziria em um custo administrativo para a Administração que superaria – em muito – qualquer suposto benefício. Marçal Justen Filho aprofunda essa temática:
"Toda licitação envolve uma relação entre custos e benefícios. Há custos econômicos propriamente ditos, derivados do cumprimento dos atos materiais da licitação (publicação pela imprensa, realização de testes laboratoriais etc.) e da alocação de pessoal. Há custos de tempo, referentes à demora para desenvolvimento dos atos da licitação. Também podem existir outras espécies de custos, a serem examinadas caso a caso.
Em contrapartida, a licitação produz benefícios para a Administração. Esses benefícios consistem em que a Administração efetivará (em tese) contratação mais vantajosa do que realizaria se a licitação não tivesse existido. A dispensa de licitação decorre do reconhecimento por lei de que os custos inerentes a uma licitação superam os benefícios que dela poderiam advir. A lei dispensa a licitação para evitar o sacrifício dos interesses coletivos e supraindividuais."[14]
Noutro giro, Jacoby Fernandes faz a tradução do universo econômico para o jurídico sobre a base axiológica e fundante da dispensa de licitação em razão do valor:
"Nesses dois incisos, a LLCA estabelece ser dispensável a licitação em razão do valor do objeto a ser contratado. Os custos do procedimento para assegurar os valores jurídicos que determinam a licitação devem ser coordenados com os demais princípios do Direito, inclusive o princípio constitucional da economicidade, que deve nortear os atos administrativos.
O reduzido valor do objeto a ser contratado colocaria em conflito o princípio da licitação e o da economicidade, ensejando um gasto superior à vantagem direta aferível pela Administração, decidindo o legislador, à vista do interesse público, pela prevalência do segundo."[15]
O festejado autor é assertivo ao abordar, com a profundidade jurídica que lhe é peculiar, que deve ser realizada a ponderação entre os princípios constitucionais em jogo. É nessa senda que Justen Filho aponta que “a lei reconhece a incompatibilidade entre a licitação e os valores norteadores da atividade administrativa, sob um prisma de proporcionalidade”[16].
Importante destacar que, no direito, “proporcionalidade” não tem um sentido vulgar, mas se refere, geralmente, à teoria do constitucionalista alemão Robert Alexy. Nesse prisma, um dos subprincípios da “proporcionalidade” é a “proporcionalidade em sentido estrito”, segundo o qual, quando o valor constitucional for sacrificado de forma desmedida para assegurar outro valor constitucional, tal sacrifício padece de inconstitucionalidade.[17] Assim, na realização de licitação de pequeno vulto, os princípios da economicidade e da eficiência seriam restringidos de modo desproporcional em sentido estrito, tornando patente a inconstitucionalidade de tal ato.
A essa altura o nobre leitor deve estar se questionando acerca da pertinência desse debate com a contratação das plataformas privadas de contratação pública. E o leitor está correto: não há qualquer pertinência entre o debate acerca dos motivos fundantes da dispensa de licitação em razão do valor e a referida contratação das plataformas.
Mas essa conclusão é útil justamente para explicitar que é esse o motivo da impossibilidade de utilização da dispensa de licitação prevista no art. 75, incisos I e II, da Lei 14.133/2021 e a contratação dessas plataformas: não há qualquer compatibilidade axiológica ou mesmo lógica entre ambas. Ao analisarmos detalhadamente a natureza da contratação das plataformas privadas de contratações públicas, encontramos uma realidade bastante distinta daquela que inspira a lógica normativa da dispensa por valor.
É fato que muitas dessas plataformas não exigem do contratante (ente público comprador) um pagamento direto, ou seja, a relação financeira estabelecida com o órgão público é frequentemente representada por um valor nominalmente igual a zero. Contudo, uma interpretação meramente literal e superficial desse aspecto, que concluiria de modo simplista que “zero é menor que cinquenta mil reais”, incorre em evidente equívoco técnico-jurídico.
Em primeiro lugar, é fundamental ressaltar que não existe no ordenamento jurídico brasileiro o conceito de “contrato administrativo gratuito” ou de “valor zero”. A onerosidade constitui um pressuposto essencial do contrato administrativo. Este não é um detalhe formal, mas uma exigência substancial, decorrente da própria definição jurídica de contrato administrativo, segundo a qual há um interesse público a ser satisfeito mediante uma contrapartida financeira.
É por isso que, mesmo no auge da utilização das chamadas “cláusulas exorbitantes” dos contratos administrativos, em que a Administração Pública se apresenta em certa condição de superioridade em relação ao contratado, o único direito do particular que a Administração Pública jamais pode restringir – ao menos em tese, no mundo do “dever-ser” – é o equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato. A doutrina administrativa sempre o reconheceu. É nesse sentido que Bandeira de Mello pontua que “a desigualdade dantes encarecida equilibra-se com o resguardo do objetivo de lucro buscado pelo contratante privado”[18]. A lição do grande administrativa é de tamanha riqueza que convém transcrevê-la na íntegra:
"A existência das prerrogativas especiais ou das cláusulas assaz de vezes nominadas de "exorbitantes", quer assim se qualifi-quem por serem apenas insuetas no Direito Privado, quer assim se designem por serem, sobre incomuns, também inadmissíveis nas relações entre particulares, em absoluto representa aniquilamento ou minimização dos interesses do contratante no objeto de sua pretensão contratual."
Pelo contrário: a outra face do problema, contraposta às prerrogativas da Administração, assiste precisamente no campo das garantias do particular ligado pelo acordo. Cabe-lhe integral proteção quanto às aspirações econômicas que ditaram seu ingresso no vínculo e se substanciaram, de direito, por ocasião da avença, consoante os termos ali estipulados. Esta parte é absolutamente intangível e poder algum do contratante público, enquanto tal, pode reduzir-lhe a expressão, feri-la de algum modo, macular sua fisionomia ou eno-doá-la com jaça, por pequena que seja.
Daí outra peculiaridade do assim chamado contrato administra-tivo, conforme notação dos especialistas. A contrapartida dos poderes da Administração é uma proteção excepcionalmente grande em proveito do particular, de modo que a desigualdade dantes encarecida equilibra-se com o resguardo do objetivo de lucro buscado pelo contratante privado.
Neste lanço, calha à fiveleta o seguinte autorizado escólio da lavra de Jean Rivero: ‘Esta desigualdade fundamental tem um limite do lado financeiro: o contratante, neste terreno, se beneficia de garantias que o Direito Privado ignora e que tendem a lhe assegurar de todo modo e qualquer que seja o uso feito pela Administração, de suas prerrogativas, uma remuneração conforme às previsões iniciais’.
No mesmo sentido é o comento de Bénoît advertindo contra o equívoco de se supor que as prerrogativas da Administração implicam inculcar ao contraente particular uma posição desfavorável em relação aos contratos privados. Faz notar que, bem ao contrário, sob o ângulo das garantias de ordem financeira pode resultar o oposto.
Daí sua lição, que vem a preceito: ‘O regime de contrato de Direito Público pode, bem ao contrário, revelar-se muito mais favorável aos particulares contratantes com a Administração do que o é o regime do contrato de Direito Privado, na medida em que surge como necessário defender o interesse geral através do interesse do parti-cular: a jurisprudência sobre imprevisão ilustra este fato de maneira marcante’." (Grifo nosso)[19]
Caso a Administração esteja diante de uma contratação absolutamente gratuita, inexistirá razão jurídica ou econômica para se formalizar um contrato administrativo. Nessa situação, outro instrumento jurídico, tal como termo de cooperação técnica ou mesmo termo de adesão, seria mais adequado sob o ponto de vista da ausência de ônus da Administração – observe-se que não estamos defendendo aqui a possibilidade ou impossibilidade desses instrumentos para a referida contratação, que demanda a verificação de outros requisitos cuja análise foge do escopo do presente trabalho.
Ainda, o fato de as plataformas privadas não exigirem um pagamento imediato ou direto dos órgãos públicos não significa que a relação jurídica estabelecida seja gratuita ou desprovida de valor econômico. Muito pelo contrário, tais plataformas, via de regra, adotam modelos de remuneração indiretos, com cobrança realizada diretamente aos licitantes que pretendem participar dos certames realizados por meio da plataforma. Isso revela uma estrutura econômica complexa, na qual o custo dos serviços, embora não diretamente suportado pela Administração Pública, está diluído e embutido nas relações jurídicas mantidas com terceiros (licitantes).
Esse raciocínio poderia conduzir à inquietante conclusão – guardadas as devidas proporções – de que a Administração Pública poderia contratar um particular para uma concessão de serviço público remunerada mediante tarifa ou preço público contratual com esteio na dispensa de licitação em razão do valor. A comparação não é de toda impertinente. Isso porque a atividade prestada por essas plataformas apenas tem valor econômico para os licitantes se houver compradores públicos que a utilizem. Retira-se tais compradores e não haverá atrativo econômico para o pagamento de taxas pelos fornecedores.
É importante reconhecer que, apesar de não ser possível individualizar claramente quanto cada licitante paga especificamente para participar de licitações realizadas por determinado órgão público – dado que frequentemente os fornecedores contratam planos periódicos que permitem participação simultânea em múltiplos certames –, é evidente que existe, sim, um custo suportado pelo mercado privado e, indiretamente, pela própria Administração Pública. A remuneração dessas plataformas por meio dos licitantes, ainda que tenha contornos de modicidade em várias delas, repercute sobre os preços praticados nas propostas oferecidas nas licitações, já que estes custos operacionais são transferidos para as propostas comerciais, resultando, portanto, numa despesa indireta, ainda que módica, para os cofres públicos.
E aqui cabe uma reflexão importante: embora seja uma obviedade o fato de que a despesa que as licitantes tenham com as plataformas de compras públicas acabam sendo indiretamente repassados para os contratantes, essa lógica não pode ser analisada de modo superficial. Isso porque uma análise mais apressada pode conduzir o leitor a imaginar que o valor pago a essas plataformas é simplesmente agregado ao preço dos bens e serviços ofertados. Mas essa é uma lógica apressada, e, como toda lógica apressada, pode conduzir a equívocos. É necessário agregar a essa análise alguns dados que são contraintuitivos, ou que necessitem de uma reflexão mais acurada.
A partir da leitura do Acórdão 1507/2024-TCU-Plenário, podemos extrair que o valor mediano das assinaturas mensais dos portais analisados (que cobram segundo esse formato) é de R$ 170,00. Se considerarmos os planos anuais, o custo mensal da assinatura fica em uma mediana mensal de R$ 53,96. Consideremos que um licitante que não seja ME/EPP, e que participe de muitas licitações, e, portanto, assine todas as sete plataformas em comento. Essa empresa terá um custo mensal de R$ 1.390,91, se realizar a assinatura mensal, valor que será reduzido para R$ 446,91 por mês, caso opte pelos planos anuais.
Do ponto de vista de custo do uso, contratar as sete maiores plataformas privadas que cobram por assinatura custa à empresa licitante menos que duas ou três diárias de hotel. Essa análise nos leva a uma conclusão: o custo dessas plataformas aos licitantes, de tão baixo se comparado ao custo para participar de licitações presenciais, acaba se dissolvendo nos demais custos da empresa, sendo, portanto, insignificantes. E isso sem levar em consideração que várias dessas plataformas isentam de taxa as empresas que participem apenas de dispensa em razão do valor.
Some-se a isso o fato de que a eficiência alcançada pela Administração Pública com a utilização de uma ou outra plataforma geralmente implica em ganhos econômicos e não econômicos que ultrapassam em muito os seus custos. Esse raciocínio deve servir também para a adesão gratuita a plataformas públicas: mesmo quando não há cobrança dos licitantes, o seu custo é suportado pelo seu ente gerenciador – no caso do Comprasgov, a União.
Inclusive, no nosso sentir, a plataforma da União deveria também valer-se da prática de cobrança dos licitantes para custear a sua manutenção e aprimoramento, gerando o benefício adicional de impor uma barreira mínima à participação dos “aventureiros” que tantos transtornos causam às licitações, mas será tema de outro ensaio.
E, ainda que a análise se restrinja a custos suportados exclusivamente por entes subnacionais, não deve ser apressada a conclusão de que a adesão a plataformas públicas seja necessariamente vantajosa para estes: tais entes devem avaliar se a utilização de determinada plataforma pública não os priva de ferramentas, adaptações e sistemática mais aderente à sua realidade, e que, portanto, representaria um ganho econômico (traduzido em preços menores e em redução de custo administrativo com servidores públicos) ou não econômico (maior eficiência das suas atividades, maior agilidade, não interrupção de serviços públicos essenciais, menor complexidade etc).
É por isso que o estudo que deve preceder a contratação ou adesão de uma plataforma de compras públicas necessita analisar todas as soluções disponíveis no mercado, independentemente de a plataforma ser pública ou privada. Acreditar que o custo suportado pela Administração Pública ou pelos licitantes para utilização dessas plataformas é o aspecto mais relevante a ser considerado é de uma superficialidade técnico-econômica que beira a ingenuidade. Do mesmo modo, aceitar pagamentos vultosos ou por percentuais, de forma incompatível com serviços prestados por essas plataformas, sem uma análise econômica séria, não é aceitável.
Nesse sentido, é elogiável o acórdão proferido pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), pela sua acurada percepção de que o critério financeiro não deve nortear com exclusividade tal contratação: “a contratação de plataforma digital para a realização de contratações públicas deve ser precedida de estudo acerca das soluções tecnológicas existentes, não contemplando apenas o critério financeiro”[20]. Observe-se que o TCE-PR, nessa mesma decisão, ainda sob a égide da Lei 8.666/1993, rejeitava a contratação de tais plataformas por dispensa em razão do valor:
“os custos de manutenção das plataformas digitas não mantidas por órgãos públicos são suportados diretamente pelos participantes de licitações (e, indiretamente, pela Administração Pública), não se podendo dispensar a respectiva licitação com fulcro no disposto no art. 24, II, da Lei 8.666/93”.[21]
Nesse sentido, o ministro Benjamin Zymler já parece antecipar no Acórdão 2154/2023-TCU-Plenário a impossibilidade de contratação dessas plataformas com fundamento em dispensa de licitação em razão do valor. O relator aponta no julgado que “frequentemente são formalizadas contratações desses portais mediante dispensa de licitação, focada unicamente no valor” e que tais contratações são levadas a cabo “sem considerar o montante provável de receitas auferidas pela empresa com a cobrança de taxas pelo uso do sistema dos licitantes, o que poderia desconfigurar esse enquadramento”.[22]
Nessa linha, o Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI) proferiu recente decisão na qual apontou que “não há justificativa legal para a dispensa de licitação na escolha de plataformas digitais de licitação”[23]. Embora destituído de maiores aprofundamentos, o julgado parece indicar que, do “conjunto da obra”, não foi possível verificar fundamental jurídico para que essas contratações ocorram por meio de dispensa.
Em relação a esse julgado específico, parece-nos que, data maxima venia, a manutenção de medida cautelar que “determinou a utilização de plataforma pública gratuita para as futuras licitações, salvo regular contratação precedida de Estudo Técnico Preliminar e processo licitatório, em observância ao interesse público e à legalidade”[24] desconsiderou dois aspectos importantes.
O primeiro ponto a destacar é que a eventual utilização de plataforma pública de outro ente federado somente deveria ser admitida após a devida instrução do estudo técnico preliminar, da mesma forma que deve ocorrer em relação a plataformas privadas. Isso porque, como já exposto, o critério financeiro não pode ser o único fundamento da decisão administrativa – tal como bem assinalou o TCE-PR[25]. Os impactos econômicos e extraeconômicos decorrentes da adoção de determinada plataforma, especialmente no que concerne à eficiência e à governança das contratações, ultrapassam em muito a análise restrita ao valor cobrado dos licitantes, exigindo, portanto, avaliação abrangente e fundamentada.
Outro ponto relevante reside no fato de não terem sido devidamente examinadas e afastadas todas as alternativas jurídicas de contratação direta — como a hipótese, já mencionada, de inexigibilidade de licitação precedida de chamamento público. Compreende-se, por certo, a cautela da Egrégia Corte de Contas piauiense ao determinar a medida cautelar, sobretudo diante das notícias de irregularidades no setor, mas isso não dispensa a necessidade de análise exaustiva das vias juridicamente disponíveis.
Assim, o Tribunal poderia, mesmo ante o caráter perfunctório próprio da análise em sede de cautelar, restringir a proibição de contratação dessas plataformas naquelas situações em que já um fumus bonis iuris minimamente acurado, como é o caso daquelas que cobram percentual sobre o valor de compra em pregão eletrônico, conforme já concluído pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no Acórdão 1.121/2023-Plenário e no Acórdão 1507/2024-Plenário [26], e pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), na Nota Técnica N. TC-5/2023[27].
É por tudo isso que, considerando a complexidade técnica, operacional e estratégica dessas plataformas eletrônicas de licitação, fica evidente que o valor real dessas contratações, representado pelo faturamento anual dessas empresas e pela natureza sofisticada dos serviços prestados – que envolvem a gestão integrada de informações sensíveis, segurança digital, compliance operacional, auditoria e transparência –, ultrapassa significativamente o limite axiológico e econômico imaginado pelo legislador ao instituir a dispensa por valor.
Não se pode ignorar que a finalidade da hipótese normativa do art. 75, incisos I e II, da Lei 14.133/2021 está diretamente associada a objetos cuja relevância econômica e operacional seja naturalmente baixa e que, justamente por isso, não justifiquem um detalhamento minucioso da análise técnica, econômica e jurídica que é necessário nas contratações mais complexas e estratégicas. Nesse sentido, as plataformas privadas de contratações públicas, justamente por serem instrumentos centrais e estratégicos das aquisições públicas, demandam uma avaliação detalhada quanto à sua adequação técnica, segurança jurídica, vantajosidade econômica e operacionalidade.
Portanto, uma interpretação alinhada com o princípio da eficiência e da segurança jurídica não pode admitir o enquadramento das contratações dessas plataformas na hipótese simplificada de dispensa por valor. A despeito da inexistência de pagamento direto pelo órgão público, tais contratações são, em verdade, marcadas por alto valor econômico agregado, complexidade operacional e relevância estratégica elevada, características incompatíveis com a intenção legislativa de simplicidade e economicidade expressa no conceito jurídico-normativo da dispensa por valor.
5 – Dispensa em razão de situações excepcionais
O art. 75 da Lei 14.133/2021 contempla hipóteses específicas de dispensa de licitação cujo elemento central é a excepcionalidade circunstancial ou temporal, tais como licitação anterior deserta ou fracassada (inciso III), contratações emergenciais (inciso VIII), situações de calamidade pública (inciso VIII) ou mesmo compras relacionadas à execução de atividades pontuais e extraordinárias (incisos III, VI e VII). Cada uma dessas hipóteses parte da ideia de que a contratação é pontual, temporária e condicionada por um evento específico e, na maioria das vezes, imprevisível ou excepcional, o que, por si só, justificaria o afastamento do procedimento competitivo regular. Vejamos:
"Art. 75. É dispensável a licitação:
III - para contratação que mantenha todas as condições definidas em edital de licitação realizada há menos de 1 (um) ano, quando se verificar que naquela licitação:
a) não surgiram licitantes interessados ou não foram apresentadas propostas válidas;
b) as propostas apresentadas consignaram preços manifestamente superiores aos praticados no mercado ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes;
[...]
VI - para contratação que possa acarretar comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos pelo Ministro de Estado da Defesa, mediante demanda dos comandos das Forças Armadas ou dos demais ministérios;
VII - nos casos de guerra, estado de defesa, estado de sítio, intervenção federal ou de grave perturbação da ordem;
VIII - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso;"
Nessa senda, não é necessário maior esforço interpretativo para concluir que as características próprias das plataformas privadas de compras públicas revelam que essas soluções tecnológicas são eminentemente contínuas e estratégicas para a Administração Pública. Elas configuram-se como estruturas tecnológicas destinadas à gestão ordinária dos procedimentos licitatórios, envolvendo atividades rotineiras e recorrentes, cujo caráter de continuidade afasta a excepcionalidade necessária para a sua inclusão no campo normativo das dispensas excepcionais do art. 75, incisos VI, VII e VIII.
Ora, não é apenas a continuidade temporal que afasta essa possibilidade de enquadramento. A complexidade técnica e estratégica dessas plataformas, como já ressaltado, revela que elas são responsáveis por viabilizar processos licitatórios cotidianos e indispensáveis para a governança institucional, a transparência pública e o controle administrativo. Em outras palavras, não se trata apenas de garantir um serviço eventual ou contingencial, mas sim de assegurar a continuidade e a regularidade da gestão das aquisições públicas, cuja relevância ultrapassa em muito o cenário excepcional previsto pelo legislador.
Acrescente-se que, não raro, essas plataformas oferecem gratuitamente outras ferramentas de governança e gestão que acabam por formatar a política de contratações públicas do órgão contratante. Ou seja, estamos diante de uma contratação que tem o potencial de impactar em todo um quadro sistêmico de contratações do órgão, a impactar indiretamente nas políticas públicas desenvolvidas naquela estrutura administrativa. Cita-se como exemplo de ferramentas oferecidas por essas plataformas: elaboração de Plano de Contratações Anual (PCA), gestão de contratos, dispensa em razão do valor, elaboração de ETP e TR, dentre outros.
É importante mencionar, contudo, uma ressalva lógica que se impõe: admite-se, em tese, a possibilidade de contratação pontual de uma plataforma privada para o atendimento de uma demanda específica, excepcional e temporária, desde que devidamente caracterizada a situação que se coadune com as hipóteses legais mencionadas. Seria o caso, por exemplo, de uma indisponibilidade repentina e excepcional da plataforma habitual, sem previsão de resolução, que gerasse risco real e iminente de paralisação da atividade licitatória. Nessa hipótese, a Administração estaria obrigada a demonstrar, com objetividade e clareza, a efetiva excepcionalidade e a circunstância pontual que justifica a medida excepcional e transitória.
Em relação à hipótese de contratação por dispensa de licitação para contratações cuja licitação anterior tenha restado deserta ou fracassada, prevista no citado inciso III, entendemos que a farta oferta de soluções de mercado inviabiliza, na prática, essa alternativa. É pouco crível que nenhuma das empresas que ofertam esse serviço tenha interesse em participar da licitação. É provável que, nesse cenário, tenha havido restrição indevida da competitividade, falha na publicidade, ou algum outro vício na fase de planejamento ou de seleção do fornecedor.
No cenário de haver necessidade específica de determinada funcionalidade essencial àquele órgão ou entidade que pudesse ser atendida apenas por uma plataforma, a contratação poderia ocorrer por inexigibilidade de licitação, desde que o processo seja instruído com robusta documentação técnica. Diante desse cenário – licitação deserta ou fracassada – entendemos que é mais adequado sob os princípios da eficiência, impessoalidade, publicidade, motivação e interessem público a constituição de chamamento público para que sejam juntadas em um processo as especificações técnicas das plataformas e, analisando-as frente às necessidades específicas do órgão, contratar aquela que detiver funcionalidades exclusivas e imprescindíveis ao órgão por inexigibilidade de licitação. Mas esse será tema de outro ensaio.
Esse ponto é abordado aqui para recordar que a contratação por dispensa do inciso III demanda que “o futuro contratado, por dispensa com base nesse inciso III, deve apresentar todos os documentos exigidos no edital de licitação”[28]. O referido inciso já enuncia em seu caput que aquela hipótese de dispensa pode ser utilizada “para contratação que mantenha todas as condições definidas em edital de licitação realizada há menos de 1 (um) ano”. Nesse sentido, observemos relevante lição de Jacoby Fernandes:
É da essência dessa dispensa de licitação que o atendimento de todos os requisitos da competição seja comprovado, para demonstrar que a Administração Pública cumpriu com seu dever de licitar e havia, no mercado, fornecedor ou prestador de serviço apto a atender às regras da competição, à qual decidiu não comparecer, por motivo que se insere na órbita de sua privacidade, mas aceitou a contratação direta.
Pode, inclusive, essa recusa à competição decorrer da própria cartelização do setor. Evidenciado esse cartel, pode o fato ensejar representação ao Ministério Público ou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, mas nunca obstar a contratação.[29]
Consoante adverte o festejado doutrinador, a cartelização nas licitações é um risco concreto que não pode ser negligenciado. Em mercados de estrutura oligopolista, é comum a adoção de práticas espúrias de repartição de mercado entre as poucas empresas atuantes no setor. O expediente mais usual consiste no conluio voltado a suprimir a concorrência efetiva em determinado certame, situação em que apenas uma empresa oferece lance. Outra forma de burla, não menos perniciosa, é o ajuste para que nenhuma empresa participe da licitação, visando ensejar a contratação posterior por dispensa de licitação em razão de licitação deserta ou fracassada. Nesse contexto, a medida preventiva anteriormente recomendada – contratação por inexigibilidade de licitação precedida de chamamento público – revela-se boa prática administrativa apta a mitigar condutas nocivas dessa natureza.
Infelizmente, não é raro observar a prática – seja por má-fé, seja por mero desconhecimento – de a Administração Pública instaurar licitação com critérios excessivamente restritivos e, diante de sua previsível deserção ou fracasso, recorrer à contratação direta com fundamento no inciso III, agora desconsiderando o requisito limitador anteriormente imposto no edital.
Além disso, é forçoso reconhecer que a escolha da plataforma de compras públicas impacta de tal forma a governança (não apenas das contratações) daquele órgão ou entidade que é inadequado utilizar para essa contratação um dispositivo de dispensa que foi criado para agilizar contratações de objetos mais simplórios ou de elevada fungibilidade.
Assim, excluída a hipótese pontual e claramente circunstanciada de contratação emergencial para atender ao período em que a plataforma usual não funciona, entendemos que a utilização das plataformas privadas de compras públicas em caráter permanente não encontra sustentação jurídica e lógica em nenhuma das hipóteses excepcionais do art. 75, incisos III, VI, VII e VIII, da Lei nº 14.133/2021. A estrutura normativa dessas hipóteses de dispensa de licitação pressupõe uma circunstância específica, emergencial ou episódica que simplesmente não é compatível com serviços contínuos e ordinários que desempenham um papel estratégico na operacionalização das contratações públicas.
6 – Dispensa de licitação em razão da pessoa
Há hipóteses em que o próprio legislador optou por indicar pessoas jurídicas que podem ser contratadas por dispensa de licitação, fundamentando-se em razões de natureza variada. Em regra, essas situações não se limitam à condição subjetiva do contratado, mas também se vinculam a objetos e finalidades específicas, acompanhadas de requisitos adicionais previstos em lei. À luz do art. 75 da Lei nº 14.133/2021, é possível classificar tais hipóteses nos incisos IX, XI, XIV, XV e XVI, além dos recentemente acrescidos incisos XVII e XVIII.
Ante a heterogeneidade das condições subjetivas dos contratados, é relevante a transcrição dos referidos dispositivos, verbis:
"Art. 75. É dispensável a licitação:
[...]
IX - para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integrem a Administração Pública e que tenham sido criados para esse fim específico, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
[...]
XI - para celebração de contrato de programa com ente federativo ou com entidade de sua Administração Pública indireta que envolva prestação de serviços públicos de forma associada nos termos autorizados em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação;
[...]
XIV - para contratação de associação de pessoas com deficiência, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgão ou entidade da Administração Pública, para a prestação de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado e os serviços contratados sejam prestados exclusivamente por pessoas com deficiência;
XV - para contratação de instituição brasileira que tenha por finalidade estatutária apoiar, captar e executar atividades de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive para gerir administrativa e financeiramente essas atividades, ou para contratação de instituição dedicada à recuperação social da pessoa presa, desde que o contratado tenha inquestionável reputação ética e profissional e não tenha fins lucrativos;
XVI - para aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de insumos estratégicos para a saúde produzidos por fundação que, regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da Administração Pública direta, sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e de estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o SUS, nos termos do inciso XII deste caput, e que tenha sido criada para esse fim específico em data anterior à entrada em vigor desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado; (Redação dada pela Lei nº 14.628, de 2023)
XVII - para contratação de entidades privadas sem fins lucrativos para a implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, a fim de beneficiar as famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou pela falta regular de água; e (Incluído pela Lei nº 14.628, de 2023)
XVIII - para contratação de entidades privadas sem fins lucrativos, para a implementação do Programa Cozinha Solidária, que tem como finalidade fornecer alimentação gratuita preferencialmente à população em situação de vulnerabilidade e risco social, incluída a população em situação de rua, com vistas à promoção de políticas de segurança alimentar e nutricional e de assistência social e à efetivação de direitos sociais, dignidade humana, resgate social e melhoria da qualidade de vida. (Incluído pela Lei nº 14.628, de 2023)"
Da leitura dos dispositivos acima é possível notar que alguns deles condicionam a contratação da pessoa a um objeto específico. Assim, já é possível excluir da nossa análise aqueles incisos que condicionam a dispensa de licitação a objetos estranhos ao objeto contratação de plataformas de contratações públicas. São eles: inciso XI (prestação de serviço público de forma associada) inciso XVI (insumos estratégicos para a saúde), inciso XVII (cisternas) e XVIII (alimentação).
Noutro giro, o inciso XIV contempla exclusivamente a possibilidade de contratação direta de associações de pessoas com deficiência, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, para a prestação de serviços exclusivamente por pessoas com deficiência. A ratio desse inciso repousa essencialmente na proteção e promoção dos direitos fundamentais e sociais, com especial atenção à inclusão produtiva de pessoas com deficiência, num contexto que envolve o aspecto social como um valor preponderante para justificar a dispensa licitatória. É nesse sentido que leciona Di Pietro:
“Essa modalidade de dispensa pode ser utilizada por todas as entidades referidas no art. 6°, III, desde que estejam presentes os seguintes requisitos: (a) que se trate de contrato de prestação de serviços ou fornecimento de mão de obra; (b) que o contratado seja associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos; (c) que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado, requisito que não precisaria ser mencionado, porque deve estar presente em todas as hipóteses de dispensa, sob pena de lesão ao patrimônio público ensejadora de ação popular, conforme art. 4°, V, b, da Lei n° 4.717, de 29-6-65 (Lei de Ação Popular), sem falar na possibilidade de sobrepreço (tal como definido no art. 6º, LVI, da Lei n° 14.133); que os serviços contratados sejam prestados exclusivamente por pessoas com deficiência”.[30]
Nesse sentido, é evidente que as plataformas privadas de contratações públicas não atendem aos requisitos fundamentais dessa hipótese de dispensa, pois não são entidades constituídas por associações de pessoas com deficiência, tampouco atuam sem finalidade lucrativa, muito menos promovem, de forma exclusiva, a inclusão e prestação de serviços por pessoas com deficiência. Portanto, resta claro que tais plataformas, eminentemente comerciais, tecnológicas e lucrativas, não preenchem os critérios específicos do inciso XIV.
O inciso XV, por sua vez, estabelece como hipótese de dispensa a contratação de instituições brasileiras que tenham por finalidade estatutária apoiar, captar e executar atividades de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, ou de instituições dedicadas à recuperação social da pessoa presa, desde que detenham inquestionável reputação ética e profissional e não possuam fins lucrativos.
Trata-se de hipótese de dispensa de licitação cuja essência está em proporcionar uma ferramenta jurídica de contratação que viabilize parcerias estratégicas com instituições que desempenham papéis sociais, científicos, educacionais ou humanitários de interesse público, representando um estímulo à inovação, desenvolvimento e reintegração social. Tomemos, novamente, lição da consagrada doutrinadora:
“Esse inciso serve de fundamento à contratação das chamadas fundações de apoio (de que trata o capítulo 11, item 11.5). A Lei n° 12.349, de 15-12-2010, alterou a redação do art. 1° da Lei n° 8.958, de 20-12-94 (que dispõe sobre as relações entre as instituições de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio), para tornar expresso que as Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), bem como as Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs), sobre as quais dispõe a Lei n° 10.973, de 2-12-2004, poderão realizar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei n° 8.666/93,1° por prazo determinado, com fundações instituídas com a finalidade de dar apoio a projetos de ensino, pesquisa e extensão e de desenvolvimento institu-cional, científico e tecnológico, inclusive na gestão administrativa e financeira estritamente necessária à execução desses projetos.”[31]
As plataformas privadas de contratações públicas, todavia, são essencialmente empresas comerciais com objetivos econômicos de aferição de lucro e cujo escopo não possui como elemento principal o caráter social ou científico, muito menos finalidade estatutária voltada precipuamente à educação, pesquisa, extensão ou inovação institucional. Sua atividade central é prestar serviços tecnológicos específicos para o gerenciamento operacional e estratégico das licitações públicas, sem o envolvimento direto ou exclusivo com o desenvolvimento institucional, científico, tecnológico ou social.
Em síntese, a dispensa por razão da pessoa é exceção de leitura estrita e não se presta a franquear atalhos para a contratação de plataformas privadas de contratações públicas. As hipóteses dos incisos XI, XVI, XVII e XVIII são desde logo afastadas pelo descompasso de objeto; o inciso XIV exige associação de pessoas com deficiência, sem fins lucrativos, com execução exclusiva por esse público; e o inciso XV reserva-se a instituições brasileiras sem finalidade lucrativa, com missão estatutária voltada a ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico ou à recuperação social da pessoa presa — requisitos alheios à lógica empresarial desses prestadores.
7 - Dispensa de licitação para contratação de órgão ou entidade que integre a Administração Pública[32]
A contratação de plataformas privadas de contratações públicas com fundamento na dispensa do art. 75, IX, da Lei 14.133/2021 é instituto excepcional e de interpretação estrita. Para que se sustente juridicamente, impõe-se a demonstração cumulativa de requisitos materiais e formais que não admitem atenuações retóricas nem analogias ampliativas. Assim, a instrução processual deve comprovar, com documentos e motivação consistente, que todos os filtros aqui sintetizados estão presentes, sob pena de desfigurar a teleologia de descentralização interna que dá sentido à hipótese e de vulnerar princípios como isonomia, economicidade, impessoalidade e moralidade.
O primeiro eixo é subjetivo: quem contrata deve ser pessoa jurídica de direito público interno; quem é contratado deve ser órgão ou entidade que integre a Administração Pública. A consequência prática é direta: particulares – ainda que sem fins lucrativos – e delegatárias de serviços públicos estão excluídos dessa via excepcional. A presença do Estado em posição acionária minoritária não transmuta a natureza privada da sociedade, não havendo como converter empresa privada em “entidade da Administração” para os fins do inciso IX.
Segue-se o núcleo teleológico da norma: a entidade contratada deve ter sido criada com o fim específico de fornecer exatamente os bens ou prestar os serviços que constituem o objeto do ajuste – no caso, desenvolver, operar e manter plataforma digital de contratações públicas. Não bastam finalidades amplas (“TI”, “soluções digitais”); a coincidência fina entre missão institucional e objeto deve emergir dos atos institucionais, do estatuto e de eventuais normas de organização, sob leitura restritiva. Onde houver apenas afinidade genérica, o requisito não se cumpre.
Essa finalidade específica possui ainda um vetor destinatário: a entidade deve ter sido concebida para servir à Administração Pública, e não prioritariamente ao mercado. O desenho admite soluções interna corporis: estruturas criadas para suporte e serviços de backoffice aos próprios órgãos e entidades do ente instituidor. Documentos de governança, políticas internas e o histórico de atuação precisam revelar que a clientela natural é o setor público. Doutrina e jurisprudência apontam que, quando a modelagem institucional é mista ou orientada a terceiros, o enquadramento no inciso deixa de se sustentar.
Há, ainda, o critério federativo: contratante e contratado devem pertencer ao mesmo ente federado. A hipótese foi talhada para permitir a descentralização administrativa interna – União com União; Estado com Estado; Município com Município –, preservando coerência, controle e accountability. A cooperação interfederativa é possível por outros instrumentos (convênios, acordos de cooperação, conforme o caso), mas não está contemplada nessa hipótese de dispensa de licitação. Exceções cabem apenas quando a própria lei assim dispuser (v.g., consórcio público de direito público devidamente estruturado), mantendo íntegro o sentido in house do dispositivo.
A vantajosidade econômica, por sua vez, reclama prova inequívoca de que o preço é compatível com o praticado no mercado para soluções equivalentes. Compatibilidade não é “menor preço”, mas harmonia e razoabilidade diante do painel concorrencial. Em se tratando de plataformas, o ETP deve contemplar benchmark funcional (segurança e conformidade; integrações, inclusive com o PNCP; SLAs/SLOs; escalabilidade; suporte; trilhas de auditoria; analytics), metodologia de pesquisa, fontes, tratamento de outliers e memorial de cálculo. Descolamentos relevantes entre o preço ofertado e o mercado obstam a celebração da dispensa deslocam a solução para o procedimento licitatório.
No plano concorrencial, a entidade contratada precisa atuar em regime não concorrencial no mesmo objeto. Se a plataforma é comercializada a terceiros em ambiente de mercado, o uso da dispensa compromete a isonomia e potencializa subsídio cruzado (a Administração pagando mais para viabilizar preços menores no mercado). Conforme demonstrado no estudo, sempre que o legislador quis autorizar contratações diretas com estatais em competição, fê-lo por leis específicas. A aferição desse requisito exige exame documental de portfólio, políticas comerciais e público-alvo, além de verificação de contratos com particulares.
Em reforço, quando a empresa estatal tem fluxos de resultados que remuneram capital privado – por distribuição direta ou indireta de lucros/dividendos –, a dispensa perde o seu fundamento republicano. O privilégio legal, concebido para viabilizar descentralização e ganho de especialização ao poder público, não pode operar como canal de transferência de renda pública a investidores privados, que se beneficiam de um mecanismo de organização interna da Administração Pública para lucrar sem se submeter ao processo licitação da Lei 14.133/2021. Assim, a instrução processual deve certificar de que não há na composição societária da contratada, ou dos sócios da contratada, a presença de particulares.
Por fim, a execução do objeto deve ocorrer diretamente pela entidade ou órgão contratado: é vedada a subcontratação total ou parcial do núcleo do objeto. Converter a estatal em mera intermediária – via “white-label”, outsourcing estrutural ou repasse integral de desenvolvimento/operação – desvirtua a descentralização e contorna a competição que deveria ocorrer. O contrato deve conter cláusula expressa de proibição, e a entidade precisa demonstrar capacidade técnica e operacional própria (desenvolvimento, sustentação, segurança, evolução e integrações) sob responsabilidade direta.
Em síntese conclusiva: a dispensa do art. 75, IX somente se perfaz quando todos esses vetores – qualificação pública do contratado, finalidade específica quanto ao objeto, finalidade específica voltada à Administração, simetria federativa, preço compatível, ausência de competição no objeto, blindagem contra privatização do lucro e execução direta sem subcontratar – estão conjuntamente demonstrados. A falta de qualquer deles rompe a cadeia de legitimidade e desloca a Administração para outro instrumento jurídico adequado (licitação, convênio, acordo de cooperação, ou outra hipótese legal específica). Esse é o corolário normativo que resguarda juridicidade, probidade, isonomia e economicidade nas contratações públicas digitais.
8 – Conclusão
Ao final desta investigação, que se debruçou sobre a possibilidade jurídica de contratar plataformas privadas de compras públicas por dispensa de licitação, a conclusão que emerge é a de que o art. 75 da Lei nº 14.133/2021 oferece um caminho extremamente restrito, senão inviável, para tal prática. A análise sistemática das hipóteses legais, agrupadas segundo sua natureza, revela uma incompatibilidade fundamental entre a lógica que fundamenta a dispensa e a realidade estratégica, complexa e contínua da contratação desses sistemas tecnológicos.
Primeiramente, a dispensa em razão do valor (incisos I e II) mostra-se inaplicável. A aparente ausência de custo direto para a Administração – visto que a remuneração advém dos licitantes – não pode ser interpretada como uma contratação de “valor zero”. Tal leitura seria uma simplificação perigosa, que ignora a onerosidade inerente ao contrato administrativo e o valor econômico agregado do serviço. A contratação de uma plataforma de compras é uma decisão estratégica de alto impacto, cuja complexidade técnica e operacional transcende a lógica de simplicidade e baixo risco que justifica a dispensa por baixo valor.
Em segundo lugar, as hipóteses de dispensa por situações excepcionais (incisos III, VI, VII e VIII) também não se coadunam com o objeto em análise. As plataformas de compras são ferramentas de uso ordinário, contínuo e permanente, essenciais para a gestão rotineira das aquisições públicas. Seu caráter estruturante e perene afasta a natureza pontual, emergencial ou imprevisível que caracteriza essas modalidades de dispensa. A única exceção, meramente teórica, seria uma contratação emergencial e transitória para suprir a indisponibilidade súbita da plataforma principal, mas jamais para a contratação definitiva.
A análise da dispensa em razão da pessoa (incisos XI, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII) igualmente demonstra a impossibilidade de enquadramento. As plataformas privadas são, em sua essência, empresas comerciais com fins lucrativos, o que as exclui de pronto das hipóteses que exigem entidades sem fins lucrativos, com finalidades sociais, de pesquisa, ou de fomento. A natureza comercial e tecnológica dessas empresas é manifestamente distinta do perfil subjetivo e do escopo de atuação previstos pelo legislador nesses dispositivos.
Por fim, a hipótese de contratação entre entes públicos (inciso IX), detalhada em estudo apartado[33], reforça a lógica restritiva. Sua aplicação demanda uma rigorosa cumulação de requisitos – identidade federativa, finalidade específica da entidade contratada, atuação em regime não concorrencial, ausência de remuneração a capital privado e execução direta do serviço – que, na prática, limitam seu uso a cenários de descentralização administrativa interna, excluindo a contratação de empresas privadas ou mesmo de estatais que atuem em mercado competitivo.
Por todo o exposto, a conclusão deste estudo investigativo é de que as hipóteses de dispensa de licitação enumeradas no art. 75 da Lei 14.133/2021 não são juridicamente viáveis para a contratação de plataformas privadas de compras públicas, com as duas ressalvas absolutamente específicas aqui apontadas. A análise da viabilidade jurídica de contratação dessas plataformas por inexigibilidade de licitação ou através de certame licitatório serão objeto de outro trabalho, ante a densidade investigativa necessária para o tema e os limites físicos deste ensaio.
REFERÊNCIAS
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BARBOSA, Jandeson da Costa. Por que o credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade de licitação. Disponível em: <https://virtugestaopublica.com.br/credenciamento-inexigibilidade>. Acesso em: 14 ago 2025.
BARBOSA, Jandeson da Costa. O interesse público constitucional numa formulação à luz de pressupostos teóricos, contextos e fatos no âmbito dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2022.
BARBOSA, Jandeson da Costa. Nova Lei de Licitações: Marketplace Público, o rei, Caetano e outras reflexões. Disponível em: <https://virtugestaopublica.com.br/nova-lei-de-licitacoes-marketplace-publico-o-rei-caetano-e-outras-reflexoes>. Acesso em: 03 set 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 1419333. AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 03-07-2023.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1507/2024-Plenário.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 37 ed. Rio de Janeiro: 2024.
JACOBY FERNANDES, Ana Luiza. JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. JACOBY FERNANDES, Murilo. Contratação Direta sem Licitação na Nova Lei de Licitações: Lei nº 14.133/2021. Belo Horizonte: Fórum, 2021.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 2.ed. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2023.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30a ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
PARANÁ. Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão 2043/2021-Tribunal Pleno.
PIAUÍ. Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Acórdão 321/2025-Primeira Câmara.
SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Nota Técnica N. TC-5/2023.
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 16.ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2025.
[1] O presente artigo reproduz nos seus tópicos “Introdução”, “Por que existe a licitação dispensável” e “Dispensa de licitação para contratação de órgão ou entidade que integre a Administração Pública”, com poucas adaptações, trecho do seguinte trabalho, também de nossa autoria: BARBOSA, Jandeson da Costa. Contratação de plataforma privada de compras públicas de órgão ou ente estatal por dispensa de licitação. Disponível em: <https://virtugestaopublica.com.br/contratacao-de-plataforma-privada-de-compras-publicas-de-orgao-ou-ente-estatal>. Acesso em: 05 set 2025.
[2] Jandeson da Costa. Contratação de plataforma privada de compras públicas de órgão ou ente estatal por dispensa de licitação. Disponível em: <https://virtugestaopublica.com.br/contratacao-de-plataforma-privada-de-compras-publicas-de-orgao-ou-ente-estatal>. Acesso em: 05 set 2025.
[3] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1507/2024-Plenário.
[4] O presente artigo reproduz nos seus tópicos “Introdução”, “Por que existe a licitação dispensável” e “Dispensa de licitação para contratação de órgão ou entidade que integre a Administração Pública”, com poucas adaptações, trecho do seguinte trabalho, também de nossa autoria: BARBOSA, Jandeson da Costa. Contratação de plataforma privada de compras públicas de órgão ou ente estatal por dispensa de licitação. Disponível em: <https://virtugestaopublica.com.br/contratacao-de-plataforma-privada-de-compras-publicas-de-orgao-ou-ente-estatal>. Acesso em: 05 set 2025.
[5] Sobre o tema, ver: BARBOSA, Jandeson da Costa. Por que o credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade de licitação. Disponível em: <https://virtugestaopublica.com.br/credenciamento-inexigibilidade>. Acesso em: 14 ago 2025.
[6] “O elemento teleológico busca dar à norma uma interpretação que tenha por finalidade o alcance de certos objetivos. Busca-se a finalidade última da norma, pois o “Direito não é um fim em si mesmo, e todas as formas devem ser instrumentais. Isso significa que o Direito existe para realizar determinados fins sociais, certos objetivos ligados à justiça, à segurança jurídica, à dignidade da pessoa humana e ao bem-estar social”.
Na Administração Pública, a utilização mais disseminada da interpretação teleológica já significaria enorme avanço. Segundo esse elemento interpretativo, “não se deve sacrificar os fins às formas”. Sem embargo, na maioria das vezes, obedecer às formas pode significar maior segurança jurídica ao administrador público. Já o atingimento dos fins, embora gere o “sentimento de dever cumprido”, não oferta necessariamente ao gestor público ganhos atrelados à sua produtividade, em razão das deficiências da política remuneratória do setor público. Porém, esse tema é assunto para outros trabalhos.”. In: BARBOSA, Jandeson da Costa. O interesse público constitucional numa formulação à luz de pressupostos teóricos, contextos e fatos no âmbito dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2022, p. 128.
[7] Não é necessário outro elemento para verificar a permissividade jurídica da hipótese de dispensa. Mas são necessários diversos outros elementos para se averiguar a legitimidade e economicidade da contratação, como por exemplo aferir se o preço está de acordo com o praticado no mercado.
[8] São diversos os julgados da Suprema Corte que sustentam esse entendimento, formando firme jurisprudência sobre o tema. Dentre eles, citamos: “O Supremo Tribunal Federal já manifestou, de forma reiterada, ser vedada aos demais entes federados a criação de hipóteses de dispensa de licitação diversas das previstas na legislação federal, julgando inconstitucionais leis municipais nesse sentido.” In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 1419333. AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 03-07-2023.. Cita-se, ainda, os precedentes referenciados no referido julgado: ARE 1.334.522, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; ARE 1.261.243, Rel. Min. Gilmar Mendes; e RE 1.096.091, Rel. Min. Dias Toffoli, ARE 1.340.483-AgR, Rel. Min. Edson Fachin.
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 37 ed. Rio de Janeiro: 2024, p. 391.
[11] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 2.ed. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2023, p. 1043.
[12] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 16.ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2025, p. 473.
[13] BARBOSA, Jandeson da Costa. Nova Lei de Licitações: Marketplace Público, o rei, Caetano e outras reflexões. Disponível em: <https://virtugestaopublica.com.br/nova-lei-de-licitacoes-marketplace-publico-o-rei-caetano-e-outras-reflexoes>. Acesso em: 03 set 2025.
[14] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 2.ed. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2023, p. 1042.
[15] JACOBY FERNANDES, Ana Luiza. JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. JACOBY FERNANDES, Murilo. Contratação Direta sem Licitação na Nova Lei de Licitações: Lei nº 14.133/2021. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 177.
[16] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 2.ed. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2023, p. 1042.
[17] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva da 5ª ed. alemã Theorie der Grundrechte. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 2011.
[18] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30a ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 635.
[19] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30a ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 634-635.
[20] “Não olvido que efetivamente existam plataformas para pregões eletrônicos disponibilizadas sem custos. Tratam-se de sistemas criados e mantidos por órgãos públicos, como o ‘COMPRASNET’, do Ministério da Economia, que podem ser utilizados sem necessidade de licitação prévia. Porém, em razão de outros aspectos (v.g. valores envolvendo certificações digitais e ausência de compatibilidade com o sistema adotado pelo ente/órgão), pode-se entender vantajosa a utilização de outro meio disponível no mercado. Aliás, a escolha de soluções tecnológicas deve ser precedida, sempre, de estudos aprofundados que não contemplem apenas o critério financeiro”. In: PARANÁ. Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão 2043/2021-Tribunal Pleno.
[21] PARANÁ. Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão 2043/2021-Tribunal Pleno.
[22] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1507/2024-Plenário.
[23] PIAUÍ. Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Acórdão 321/2025-Primeira Câmara.
[24] PIAUÍ. Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Acórdão 321/2025-Primeira Câmara.
[25] PARANÁ. Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão 2043/2021-Tribunal Pleno.
[26] “quanto ao critério financeiro, que se observe o disposto no Acórdão 1.121/2023- Plenário, que admitiu a cobrança de valores pelo uso e manutenção das plataformas, desde que razoáveis e que seja oferecida a possibilidade de pagamento por participação em licitação única, e não somente mediante planos de assinatura, comissionamento ou incidência de taxas variáveis como, por exemplo, sobre um percentual da proposta do licitante vencedor, por afronta ao princípio constitucional da razoabilidade e da ampla competição;”. In: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1507/2024-Plenário.
[27] “Com isso, afasta-se a possibilidade de as Unidades Gestoras adotarem sistemas eletrônicos cuja cobrança de taxa incida sobre um percentual da proposta vencedora, pois a cobrança desta espécie de taxa variável viola frontalmente o art. 5º, III, da Lei n. 10.520/2002. [...] Desta forma, é possível concluir que a cobrança de taxas variáveis em função do valor da proposta vencedora é vedada por violação ao art. 5º, III, da Lei Federal n. 10.520/2002 e ao princípio constitucional da razoabilidade, pois, em tese, o custo de processamento de pregões eletrônicos não oscila em razão dos valores envolvidos no certame e essa sistemática de cobrança onera a Administração Pública”. In: SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Nota Técnica N. TC-5/2023.
[28] JACOBY FERNANDES, Ana Luiza. JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. JACOBY FERNANDES, Murilo. Contratação Direta sem Licitação na Nova Lei de Licitações: Lei nº 14.133/2021. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 187.
[29] JACOBY FERNANDES, Ana Luiza. JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. JACOBY FERNANDES, Murilo. Contratação Direta sem Licitação na Nova Lei de Licitações: Lei nº 14.133/2021. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 187.
[30] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 37 ed. Rio de Janeiro: 2024, p. 391.
[31] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 37 ed. Rio de Janeiro: 2024, p. 397.
[32] A análise desse dispositivo exigiu extensa investigação científica, razão pela qual preferimos publicá-la em trabalho apartado. Assim, reproduzimos neste tópico do presente ensaio a conclusão do artigo a seguir: BARBOSA, Jandeson da Costa. Contratação de plataforma privada de compras públicas de órgão ou ente estatal por dispensa de licitação. Disponível em: <https://virtugestaopublica.com.br/contratacao-de-plataforma-privada-de-compras-publicas-de-orgao-ou-ente-estatal>. Acesso em: 05 set 2025.
[33] BARBOSA, Jandeson da Costa. Contratação de plataforma privada de compras públicas de órgão ou ente estatal por dispensa de licitação. Disponível em: <https://virtugestaopublica.com.br/contratacao-de-plataforma-privada-de-compras-publicas-de-orgao-ou-ente-estatal>. Acesso em: 05 set 2025.